quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pequena fábula de Diamantina

Veja a que ponto pode levar a ambição...


PEQUENA FÁBULA DE DIAMANTINA
Marina Colasanti


Tendo herdado a casa do avô na cidade distante, para lá mudou-se com toda a família, contente de retomar o contato com suas origens. Em poucos dias, já trocava dedos de prosa com o farmacêutico , o tabelião e o juiz. E por eles ficou sabendo, entre uma conversa e outra, que a casas daquela região eram construídas com areia de aluvião, onde não raro se encontravam pequenos diamantes.
A notícia incrustou-se em sua mente. Olhava os garimpeiros que à beira de rios e córregos ondulavam suas bateias, olhava os meninos que cavoucavam os montes de areia já explorada onde, ainda assim, talvez fosse possível descobrir o brilho amarelado de pedra bruta. Ouvia as estórias de fantásticos achados.
Por fim, uma tarde, alegando cansaço após o almoço farto, trancou-se no quarto e, afastado o armário, começou com a ajuda de uma faca a raspar a parede por trás deste. Raspava, examinava a cavidade, os resíduos que tinha na mão e que cuidadoso despejava num saco de papel. E recomeçava. Assim, durante mais de hora. Assim, a partir daí, todas as tardes.
Já estava quase transparente a parede atrás do armário, e ele se preparava para agir atrás da cômoda quando, tendo esquecido de trancar a porta, foi surpreendido pela mulher. Outro remédio não teve senão explicar-lhe o porquê de sua estranha atividade. Ao que ela, armada por sua vez de faca e reclamando posse territorial, partiu para a parede da despensa. Onde, dali a pouco, foi descoberta pela empregada. A qual reivindicou direito às paredes da cozinha. Tão evidentes, que rapidamente as crianças perceberam, atacando cada uma um lado do corredor.
De dia e de noite, raspam e raspam os familiares, álacres como ratos, abrindo vãos, esburacando entre as estruturas, roendo com suas facas na procura cada vez mais excitada. Abre-se aos poucos a casa descarnada, recortadas em renda suas paredes. Geme o telhado, cedem as estruturas. Até que tudo vem abaixo numa grande nuvem de pó.
Agora com as unhas, raspam os familiares o monte de entulho. Quem sabe, sob os escombros espera, escondido, o diamante.

Linguagem Nova 7 Faraco e Moura p. 156

Aluvião – Depósito de lodo, areia, cascalho, argila deixado por inundações ou enchentes.
Bateia – Vasilha de madeira onde se lava areias auríferas (ouro).
Álacre – Alegre, jovial, animado.

Nenhum comentário: